retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Canção de mim mesmo de Walt Whitman

EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.

Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade... observando uma  lâmina de grama do verão.

Casas e quartos se enchem de perfumes... as estantes estão entulhadas de perfumes,
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço,
Sua destilação poderia me intoxicar também, mas não deixo.
A atmosfera não é nenhum perfume... não tem gosto de destilação .... é inodoro,
É pra minha boca apenas e pra sempre... estou apaixonado por ela,
Vou até a margem junto à mata sem disfarces e pelado,
Louco pra que ela faça contato comigo.
A fumaça de minha própria respiração,
Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros... raiz de amaranto, fio de seda, forquilha e videira,
Minha respiração minha inspiração... a batida do meu coração... passagem de sangue e ar por meus pulmões,
O aroma das folhas verdes e das folhas secas, da praia e das rochas marinhas de cores escuras, e do feno na tulha,
O som das palavras bafejadas por minha voz... palavras disparadas nos redemoinhos do vento,
Uns beijos de leve... alguns agarros... o afago dos braços,
Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto oscilam seus galhos sutis,
Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar... apito do meio-dia... a canção de mim mesmo se erguendo da cama e cruzando com o sol.
Uma criança disse, O que é a relva? trazendo um tufo em suas mãos;
O que dizer a ela ?... sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito, tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer,
Com o nome do dono bordado num canto, pra que possamos ver e examinar, e dizer
É seu ?
O blablablá das ruas... rodas de carros e o baque das botas e papos dos pedestres,
O ônibus pesado, o cobrador de polegar interrogativo, o tinir das ferraduras dos cavalos no chão de granito.
O carnaval de trenós, o retinir de piadas berradas e guerras de bolas de neve;
Os gritos de urra aos preferidos do povo... o tumulto da multidão furiosa,
O ruflar das cortinas da liteira — dentro um doente a caminho do hospital,
O confronto de inimigos, súbito insulto, socos e quedas,
A multidão excitada — o policial e sua estrela apressado forçando passagem até o centro da multidão;
As pedras impassíveis levando e devolvendo tantos ecos,
As almas se movendo... será que são invisíveis enquanto o mínimo átomo é visível ?
Que gemidos de glutões ou famintos que esmorecem e desmaiam de insolação ou de surtos,
Que gritos de grávidas pegas de surpresa, correndo pra casa pra parir,
Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui... quantos uivos reprimidos pelo decoro, Prisões de criminosos, truques, propostas indecentes, consentimentos, rejeições de lábios convexos,
Estou atento a tudo e as suas ressonâncias... estou sempre chegando.
Sou o poeta do corpo,
E sou o poeta da alma.
Os prazeres do céu estão comigo, os pesares do inferno estão comigo,
Aqueles, enxerto e faço crescer em mim mesmo... estes, traduzo numa nova língua.
Sou o poeta da mulher tanto quanto do homem,
E digo que é tão bom ser mulher quanto ser homem,
E digo que não há nada maior que a mãe dos homens.

Vadio uma jornada perpétua,
Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos confortáveis e um cajado arrancado do mato ;
Nenhum amigo fica confortável em minha cadeira,
Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia;
Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada a você,
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações livres no caminho.
Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a mão macia em meu quadril,
E quando for a hora você fará o mesmo por mim;
Pois depois de partir não vamos mais parar.


Walt Whitman
Enviado por Germino da Terra em 14/07/2013
Alterado em 14/07/2013
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras