retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


mea-culpa
Você percebe? Quero dizer que há muito venho vindo sem nem mesmo eu me suportar! É, acuso minha instabilidade em relação a quem quer que seja, atribuo às vicissitudes por me destratar tanto durante tantos anos, e hoje impertinências sucedem de forma q’eu não sei lidar, e aí desfilo imprevisibilidades.
  Mas não — se não, a coisa é outra.
  Acabo de chegar dum otorrino que não se restringe à especialidade, mas tem entendimento holístico, abrangente sobre a Medicina, da linha ortomolecular, antioxidante e bababá, sei lá. Parece que se empenha junto aos pacientes. Há quinze dias eu fui a ele pra que examinasse minha garganta. Faz tempo que tenho dificuldades de engolir, de beber... e, tem vez, a voz enfraquece. Amuo com o incômodo. Como ele também se dedica ao antienvelhecimento — modulação hormonal bioidêntica, que suponho biogenia —, ajuntei à consulta esclarecimentos sobre minha idade, como baixa de testosterona etc.
  Priorizando a garganta, relatei o que acumula a ela e me aflige. Como eu disse, vê se você me entende... Disse que tô insuportavelmente agitado, irritadiço; tô com os pés, tornozelos e panturrilhas, inchados e formigantes; à noite, rolo insone; emagreço desproporcionadamente ao que gasto de energia e ao que reponho — os tônus musculares, reganhados quando reverti hábitos, irresistem flácidos; beiro tremenda insegurança pessoal, também física, de maneira que inibo e tremelico pernas e mãos; a cabeça a mil, sem captar o que dizem, atropelo a minha própria fala; taquicardia; entendimento difuso, conexão dificultada...
  Amostrei meu panorama a ele e emocionei. Em escassas palavras, vê se entende, tô feito tinhoso baralhado num auê...
  O cara pediu uma batelada de exames e, com os resultados à mão, diagnosticou hipertireoidismo. Mas o cara quer ir além, quer fazer de mim um super-Germino... Há quem ambicione tal excelência, no entanto, eu, não. Desejo sarar o troço que aporrinha, essa agitação inconsequente, a desconcentração, o nó na garganta... e, do resto, eu cuido!
  No seu conceito de Medicina moderna, através de exames preliminares, o mazelento aqui faz peregrinações em especialistas pra estes perquirirem especificidades, enquanto ele, feito personal doctor, com a investigação sanguinia à mão, administra a saúde do ególatra lotado da bufunfa.
  Eu, hein!...
  Quem me indicou esse doutor foi o fisioterapeuta que desempena meu pé direito. Você num sabe? Pois sim, há dois anos eu tive o tendão de aquiles esgarçado numa rinha entre mim e a pit bull do vizinho, quando aparto o arranca-rabo da fera com minha meiga labrador, a Alfa. À época, sem empenho eu me tratei meio nas cochas, como dum modo geral me destratava e, anestesiado de Magnífica, me dei alta do tratamento. Aí, agora, quando tiro a bunda de frente deste computador e saio à estrada, o pé dói e volto ao técnico pra reparar o descuido. Nas sessões, eu mais o Leandro proseamos assuntos variados, desde comportamento, alimentação, atitude à vida, valores do pós-modernismo... Dele eu pondero a radicalidade e capto seu substrato. Do Leandro como bom profissional, há muito eu sabia; agora venho conhecendo como pessoa.
  Preambulei entre vielas tão-só pra te situar. Pois bem, voltando ao caso, hoje eu voltei ao doutor Waldo Dropes. Ele examinou o ultrassom de meu pescoço e o exame de sangue — diagnosticou hipertireoidismo, excesso de hormônio produzido pela glândula tireoide, que mexe com todo o metabolismo, e, nesse caso, abunda e bagunça tudo! Leu o de sangue, uma batelada de análises que detalham qual a demasia que a glândula excede. Pelo meu relato, ele estima que essa orgia hormonal me desregra faz tempo e q’eu só me dou conta agora quando se evidencia minha intolerância comigo mesmo.
  Contudo, pela imagem, não contém nódulos. Graças!
  Dentre os tantos exames de sangue, os relacionados à testosterona estão entre os valores de referência, porém, tem um, um tal de “total”, q’ele atentou e irá fazer uns cálculos... sei lá. Me ative à tireoide! O médico pede q’eu me consulte num cirurgião de cabeça e pescoço pra que avalie o lobo esquerdo, aumentado, e, também vá a um endocrinologista pruma avaliação especializada.
  Entrou com medicamentos sem previsão de sair, e aguarda avaliações.
  Somente dum mês pra cá que a coisa se me alarma, ou só agora que me dou conta por escancarar — ou, num sei, ou minha tolerância a mim mesmo chega ao limite!
  Você me ouve atento, eu percebo, então, você sabe da depressão que num instante se reverte, disfarça-se em euforia e repentinamente essa prostração moral, emocional, retorna com intensidade agudizada; transubstancia-se em diabo e ajunta agonia ao extremo..., hein, cê sabe? É quando variados sintomas afloram e acumulando desanimo acometem, minguam a resistência e caraminholam a ideia a ponto de desejar dar-se cabo.
É sim, emocionalmente é assim, mas, de fato, num sei, boio. Donde vem e de que jeito ritmar meu bamboleio — tem vez, literal —, é desconfortante pra daná!
  O médico estima que quando ainda indolente, sonsa, essa glândula já bagunçara meu organismo. Embarafustou-se em mim pela fragilidade dum puta estresse, q’eu suponho qual! Àquela época, pra lá de baqueado, destrambelho na tentativa de ajuntar sequelas e aprumá-las à resolução de meu reerguer... Caminhando levo outro catiripapo de mesma feição, mas mais aplacável. Neste, eu reniti em entender o acontecido — afinal, somos coroas! —, a maneira que outra vez sem mais o quê fui postergado... Enfim, sem retorno algum, desentendendo, amuei sem jamais baixar cabeça à frustração.
  Guerrilhei e guerrilho comigo a favor da determinação em me recompor, entretanto, vê, eu tô esgotado, quase pifado, cedendo ao bacanal dos hormônios.
  Você vê, eu pensei que apenas te contaria sobre toda essa desarrumação celular aqui de dentro, mas vejo que está à vontade. Quer mais um chá? Tá quentinho... Sim, estiquei detalhes de que me aflige e imagino você lotada da lengalenga. Ah, sim, me desculpo. É que por bom tempo sem saber o que se passava comigo, a causa, o troço me monopolizando, destrambelho q’eu angustio.
  Tenho urgência no instante, senão piro de vez — zureta, imagino que pulo da maturidade à senilidade sem adentrar no velhamento.
  Esse despropósito que me acomete, o atabalhoamento que sinto é geral e não se limita a mim com ela, pois sim?! Diz entre mim e eu, o mais é reflexo — feito ouriço, farpeio arredor. Num sei, dentre minhas limitadíssimas mas autênticas relações, prevalecia a nossa, eu & ela. Cego, referenciando a reverenciava. É, me iludi, também me deixei iludir pela possibilidade de parecenças entre tamanhas diferenças de universos etário, cultural, ideal, social, grana, escambau... além de díspares estética e, composto pelos demais, eticamente — ela valoriza a casca, e eu, o cerne — aparência versus conteúdo. Desatado de tamanha imbecilidade, enfim, e com um pingo de clarividência, atino que temos semelhança: não acreditamos muito uns nos outros... E isso, sei, é a cota da desdita.
  Quando começamos a trocar palavras por e-mails, em março passado, eu contei minúcias sobre o episódio que fortuitamente há pouco descortinara, a exuberante galhada que ornei por dezesseis anos... Eu dizia a ela, em função da peripécia, que relutara pra em princípio e por princípio, não desacreditar na essência das pessoas, ou delas como essência. Ainda que de pouca consistência, cedi aos seus argumentos, sobretudo burlei o desconforto que me causava — sem figa, continuei a acreditar em conhecidos e alheios. No entanto, o aconselhamento subentendia apenas o aspecto, a quimera, invólucro. Custei mas entendi quê o que lhe importa à ideia é a visibilidade... ainda que sem sustância.
  Faz pouco, ainda com ânimo e creditando, apontei e afrontei inconsequências bem próximas — daí, hoje, as águas rolam...
  É claro, fico bastante aliviado de a causa de minha inquietude obsessiva finalmente ter-se desvelado e da barafunda mental ser reversível. Tanto tempo!
  Despirocado, deprimido, agrido à volta.
  Lamento profundamente de essa patologia se me esbarrar justo quando a conheci a musa Florinda. Ela não se lembra que vez e outra lamentei pelo tempo q’eu tranquilo, de cenho desvincado, lidava com adversidades?... Ainda que ensimesmado, e sem falsa modéstia, pois sim, àquela época branda a quietude se estampava em meu semblante airoso, encimado por halo de dignidade... Ela não lembra, não, eu sei. Aquela soube de mim através de desresponsabilizadas versões folclorizadas, ouviu de quem fala dum sobrinho ou dum primo como hippie desbundado... Imagino quê línguas. Soube de mim pitoresco, quiçá burlequeando, soube por quem nem me sabe feito pessoa...
Sei que sou, sim, desconhecido da parentada, alternativo que esbanja um único.
  Não q’eu me ache incógnito ou indecifrável a eles balindo via chamadas interurbanas; por outra, sei de meu eu incomum e assumo as consequências, entre elas, a que desgarrado da carneirada arreveso o monótono aboio que conduz reses estandardizadas. E, sei, dizem, na ausência de assunto deitam estapafúrdios. Entre as padronizadas, têm as que se acham transgressoras e bababá... É fashion. Entretanto, não escapam do olhar atento duma rigorosa crítica, não passam de historietas protagonizadas por canastras enrendadeiras...
  Ela, e quase todos da família, não me conhecem — e o inverso é ainda mais acertado. Não me conhece e o que sabe, sabe pelos parentes, ou talvez um tantinho por si, pelo nosso caso fugaz. Aí, após nossa efêmera e inconsequente relação, quando teimosamente insisti em entender o quê que se deu entre a gente, ela tão-só vislumbra meu lado tenso, ansioso, de prevalências instáveis, já tripudiado pelos hormônios... No entanto, como pessoa eu tenho lá outro lado — não oposto àquele, mas aposto — que é normal e genuinamente diferente. “Aquele”?, aquele foi pro beleléu e aceno às boas lembranças quando, no mínimo, transgredindo-o, complemento... No instante d’agora, feito artífice cirzo retalhos e germino. Aguardo o desabrochar...
  Eu vinha tão bem, com problemas mas independente... Onde amarrei meu burro! Encasqueto por que qual gaiato adentrei nesse meio. Comendo pelas beiradas, deixei irem além a reverter a direiteza. 
Nas manhãzinhas eu desperto e, pra me pôr de pé, tem vez que suspendo fardo de semelhante peso dum todo, todo inteiro, e ainda me esgueiro...
  Você vê, você taí paciente ouvindo essa lengalenga sem fim, é você, e digo q’eu não tiro o meu da reta, não, assumo.
  Você bem pode interpretar o que digo como autopiedade boboca, sentimentalismo babaca... ou até me tachar de ególatra, como num lapso estrábico aquela já me observou.
Dependendo do humor, é, talvez...
  Pra não deslembrar, é meu hábito escrever pra mim mesmo a modo de entender o processo. Nele, nas inquietantes partes desse enredo, prevalece o entrecho de quando propus me reganhar, eu a mim mesmo, e de chofre masquis diversos e variados quefazeres — na tarde de quarta-feira 18, abril de 2012 —, pouco depois d’eu a conhecer, no Carnaval passado. Duma maneira ou de outra, involuntariamente ela é a consequência boa de minha resolução — a ruim, é comigo mesmo. Ainda que atrasado, atento sua auréola que por instantes pairara acima de mim... Lá atrás, faz ano!
  De meu íntimo, agradeço por, inda que inconsciente, por ter-me feito estopim, significância desencadeadora de mim...
  Se por desaviso ou se inevitavelmente nos cruzarmos em encontros familiar, que seja (primo é parentesco, e é bom, mas dura muito, diria Mário Prata), nessas ambiências de falsas alegrias, rogo q’ela disfarce seu asco de mim. Foi tremendamente desagradável quando em sua casa em Belzonte, em novembro, e no Rio, em janeiro, quando desponderadamente foi estúpida e acintosa comigo. A primeira vez, a carioca, aconteceu na casa do nosso tio, onde caí de gaiato na arapuca que armou. (Ruminando o instante, aquela arenga ardilosa foi engendrada como ensaio pra a seguir justificar seu pé em minha bunda.) Sem sobreaviso quanto aos presentes, havendo a impossibilidade duma ausência à indispensável ocasião, e se acaso atravessarmos olhares, que fique tranquila — guardada a longitude estratégica favorável a ambos, discretamente menearei cabeça.
  Eu custo a entender, mas quando entendo, entendo direitinho: facebookando ela quis, sem compartilhar xongas, na mineirice ela quis curtir comigo — chupou o fruto e cuspiu o bagaço! Feito de marionete, podou meu cabelo, a minha barba, me vestiu calça e camiseta justas, tentou me pôr ao estilo... Estilo? É, isso, fashion. Nas duas oportunidades eu fui ingênuo o bastante pra me aproximar e singelamente me aconcheguei intencionado de passar o carinho encantado que sentira quando a entendia autêntica... (desculpa, perdi a virgulação e me atropelei) E, claro, também desejei tirar uma cândida casquinha, “roubar” um recíproco, se existisse... Só.

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 22/03/2013
Alterado em 23/03/2013
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