retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Amores maduros, por Martha Medeiros na Revista O Globo de 3 de março de 2013.
Participei de um evento em São Paulo em que foi debatida a sexu­alidade nos dias atuais. Para não chegar lá com um blá-blá-blá muito pessoal, fiz o tema de casa: li o que psicanalistas e ensaístas tinham a dizer sobre o assunto. Encontrei muita coisa interessante, mas um aspecto me chamou a atenção: ao falar de amor e se­xo, a visão da maioria dos teóricos abrange apenas o jovem e suas expectativas, principalmente no que diz respei­to à importância da procriação na escolha do par­ceiro. O assunto é visto pela ótica de quem planeja construir um re­lacionamento e tudo o que isso inclui: a herança emocional deixa­da pelos pais, a pressão social de formar uma famí­lia, a influência da religião, a interfe­rência dos filhos no convívio do casal, as regras impostas pela co­letividade, a ne­cessidade de firmar-se profissio­nalmente para al­cançar estabilida­de, enfim, todo o projeto de vida de quem está dando os primeiros pas­sos nesse admirá­vel mundo das convenções e da ética comportamental.
  Tudo muito bem fundamentado, mas há um personagem que fica de fora desses estudos: é a pessoa de meia-idade que já se apaixonou umas dez vezes, que já casou e descasou, teve filhos e talvez netos e que hoje está livre para iniciar um novo relaciona­mento, e de um jeito bem mais desencanado do que qualquer jo­vem de 20 anos. Ora, esse homem ou essa mulher já atravessou o desfiladeiro: pulou para o lado de lá. Os filhos estão criados, a vi­da estabilizada, as expectativas do tipo “até que a morte os sepa­re” já foram arquivadas, não carece mais de aprovação externas e está dando uma banana para as convenções: chegou a hora de se divertir. Quem escreve sobre eles? Melhor dizendo: quem escreve sobre nós?
  Circulam por aí muitas interrogações sobre amor e sexo que pessoas vividas já responderam para si mesmas. Depois de terem cumprido boa parte das regras preestabelecidas, agora é o momento de viver 24 horas de cada vez sem idealizações. Querem um amo descomplicado e sem amarras.
  Estamos com pouco suporte teó­rico, mas existi­mos. Não fazemos questão de endereço compartilhado, troca de alianças, contrato assinado. Não nos debulhamos diante de juras de amor eterno porque já entendemos “que o pra sempre, sempre acaba”. Não precisamos de um ninho de amor financiado para pagar a perder de vista, nem de vestido de noiva, nem de anel de compromisso, nem de muitos planos. Estamos quites com nossa juventude, gastamos as ilusões, agora nos restou o melhor da vida: ela própria, simplesmente. A vida que temos na mão para consumo imediato. Sem discussões excessivas sobre moral, sem excesso de argumentações psicológicas, sociológicas ou com qualquer lógica.
  São poucos os que escrevem sobre nós e sobre a relação que queremos construir hoje. Pensando bem, talvez seja melhor. Quanto mais livre de teorias, mais solto o amor.
Martha Medeiros
Enviado por Germino da Terra em 04/03/2013
Alterado em 23/03/2013
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