retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Empatia, de Martha Medeiros, Revista O Globo — 3 de fevereiro de 2013
As pessoas se preocupam em ser simpáticas, mas pouco se esfor­çam para serem empáticas, e algumas talvez nem saibam direito o que o termo significa. Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreendê-lo emocionalmente. Vai muito além da identificação. Podemos até não nos identificar com al­guém, mas nada impede que entendamos as ra­zões pelas quais ele se comporta de determina­do jeito, o que o faz so­frer e os direitos que ele tem.
  Nada impede?
  Desculpe, foi força de expressão. O narcisismo, por exemplo, impede a empatia. A pessoa é tão autofocada que para ela só existem dois tipos de gente: os seus iguais e o resto, sendo que o resto não merece um segundo olhar. Narciso acha feio o que não é espelho. Ele se retroalimenta de aplausos, elogios e con­cordâncias, e assim vai erguendo uma parede que o blinda contra qualquer sentimento que não lhe diga respei­to. Se pisam no seu pé, reclama e exige que os holofotes se voltem para essa agressão gravíssi­ma. Se pisarem no pé do outro, é porque o outro fez por merecer.
  Afora o narcisismo, existe outro impedimen­to para a empatia: a ig­norância. Pessoas que não circulam, não têm amigos, não se in­formam, não leem, enfim, pessoas que não abrem seus horizon­tes tornam-se preconceituosas e mantêm-se na estreiteza da sua existência. Qualquer estranho que tenha hábitos diferentes dos seus será criticado em vez de aceito e considerado. Os ignorantes têm medo do desconhecido, e o evitam.
  E afora o narcisismo e a ignorância, há o mau-caratismo daque­les que, mesmo tendo o dever de pensar no bem público, colo­cam seus interesses acima de todos e trabalham só para si mes­mos, e aí os exemplos se empilham: políticos corruptos, empre­sários que só visam ao lucro sem respeitar a legislação, pessoas que usam sua posição social para conseguir benefícios que deve­riam ser conquistados pelos trâmites usuais, sem falar em atitu­des prosaicas como furar fila, estacionar em vaga para deficien­tes, terminar namo­ros pelo Facebook, faltar compromissos sem avisar antes, en­fim, aquelas “coisi­nhas” que são feitas no automático sem pensar que há al­guém do outro lado do balcão que irá se sentir prejudicado ou magoado.
  É um assunto recor­rente: precisamos de mais gentileza etc. e tal. Só que, para mui­tos, ser gentil é puxar uma cadeira para a moça sentar ou juntar um pacote que al­guém deixou cair. Sim, todos muito gentis, mas colocar-se no lugar do outro vai muito além da po­lidez e é o que real­mente pode melhorar o mundo em que vi­vemos. A cada peque­no gesto diário, a ca­da decisão que tomamos, estamos interfe­rindo na vida alheia. Logo, sejamos mais empáticos do que simpáticos. Ninguém espera que você e eu passemos a agir como heróis ou santos, ape­nas que tenhamos consciência de que só desenvolvendo a empa­tia é que se cria uma corrente de acertos e de responsabilidade se colocar no lugar do outro não é uma gentileza que se faz, é a solução para sairmos dessa barbárie disfarçada e sermos uma so­ciedade civilizada de fato.
 
Martha Medeiros
Enviado por Germino da Terra em 10/02/2013
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