retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Paiol Velho, quinta-feira, 22 de novembro de 2012.

Eh, Adalberto Coldre, bom dia!
  Nem sou seu leitor assíduo, confesso que não. Tem domingo d’eu não comprar jornal, visto q’ele é vendido à distância donde moro e me dá tamanha preguiça. Tenho vontade de escrever ao seu “Ajudadouro”, tenho sim, mas as vezes que o leio variam questões feminis e acanho de com meu diapasão delas destoar.
  Bem, enfim: beirando os cinquenta e sete anos e divorciado há quinze, nesse entremeio de tempo vivi com uma mulher de idade pareada à minha. Magnifiquei tanto a nossa conversação & tesão — unidade dual — que daí eu presumi a perenidade do casal. Pois sim, nem não: fortuitamente desvelo q’ela mantinha um amante fixo. É, já, já antes de mim, ao menos a contar de quando casada com o pai de seus quatro filhos, com tal amásio mancomuna — ano passado, aguardo-a chegar do trabalho, e, catando músicas em seu computador, ao acaso dou com bilhetes dela a ele, onde, debochando dos dois chifrudos, historia suas ardilezas.
  É claro, fiquei bem mal. Destrambelhado, sem algum analgésico alopático nem nada, homeopaticamente dei de me abeberar de dia à noite, redundei-me ao exclusivo direito de experimentar o sentimento cornos, permeei-o entre mim e eu até expurgá-lo. Dessa maneira, exortava o escalavro — na tela do computador esgarço detalhes de indignidade, rascunhando tintim por tintim, cerzi retalhos.
  Aos trambolhões, dum jeito um tanto canhestro, fui indo...
  De lá, novembro — esse mês, o descoberto aniversaria, hein —, a fevereiro, ornando exuberante galhada, vim vindo. Até que, em dias de Carnaval no Rio de Janeiro, casualmente conheço minha prima de primeiro grau, a Florinda, anjo feito Vênus na flor de seus quarenta e cinco anos. “Conheço”, assim: pela diferença de idades e de cidades, como parentais tão-só, nem mais nem menos, desde sempre nos mantivemos equidistantes — de um e do outro, apenas ouvia-se notícias, nunca reportagens.

  Fim do feriado prolongado e cada qual regressa à sua toca. Nós, maduros descasados, por e-mail e skype à distância nós nos mantivemos aproximados. Sou carioca de Ipanema e há trinta e seis anos vivo numa roça do interior do estado; ela, a belezura belo-horizontina vive onde nasceu, uai, e lá, além de manter uma agência de publicidade, dá aula de ioga.
  Não tendo internet em casa, na lan house do Centro de Paty do Alferes, município onde me encafuo, desde então sou visto como figurinha carimbada...
  Nunca imaginei me encantando através de mensagem eletrônica, nunca; nem muito menos de ao celular, por mensagens de texto, d’eu como homem declarar amor à mulher! Vige!
  Por que precisávamos confirmar nossa sanha virtual, se resistiria àquela dos cinco sentidos, na moita eu migro a modo de nos experimentarmos ao vivo: feito adolescente, escondido dos nossos velhos e de nossas crianças adultas, capino à capital mineira... E num é que a paixão se sustenta — intimidades entrelaçadas se compõem. Dias bem-aventurados...
  Por fim, aos parentes abolimos os parênteses — aos ascendentes e descendentes, numa surpreendência a todos, nos desnudamos.
  Durante vinte anos eu lidei com abelhas, fiz-me artífice da apicultura, profissional bem-sucedido, mas hoje, hoje apenas como sitiante sem atividade remunerada nem nada, à mingua, subsisto... De desgosto e desiludido chutei balde, caí na cachaça; margeando o subterrâneo, purgava no expiatório a meio palmo de infernar-me, quando, entrementes, resolutivo soergo. Assim, me visualizando em debrum velhamento, na claridão do espelho me miro bambeando... Céus! De variadas maneiras vislumbro instante com a vida, de que com ela ainda desejo estar... E então, airoso venho me aprumando.
  Com a libido e tudo mais — sobretudo — até agora em prontidão, animoso me recomponho.
  No entanto, a minha amada afoita se impacienta. No istmo de seu íntimo, silente diz que não dá pra esperar. Socializada em rede comum à amplidão, conectada com a aparente vastidão, compartilha tricoteio e, voga, curte o momento fashion, jamais substancia o processo — ou nem, quiçá desvaira-se a além...
  Assim diz pra si e me dá um baita pé na bunda!

  Eu, de minha parte, pleno de afeição, pelos valores que me estumam, mesmo havendo a abissal diferença, à espera do eito ganhar volume me doo — se fosse ela eu de mãos dadas às suas apreciaria o reerguer, num regaço a aguardaria... e, enquanto não engendrasse, apreciaria o engenhar. Ora, de qualquer maneira eu nunca ambiciono o alheio — me ajeito com o que é meu!
  Mas... É..., eu não sou ela nem muito menos ela é eu.
  Alquebrei, e por bom tempo impactado, desejoso de entender por que, insisto e nada. Desentendendo pensei, teimando matutei, remoendo ruminei... Até que amainando a ideia repasso os breves instantes das vivências de ambos, nossos universos. À humanidade percebo desinteligências gritantes, entendo importâncias ambivalentes, contrários se contrariando. Sobretudo, especialmente sobre tudo, ideio manifestações idealizadas superabundando em mim.
  Desde que a conheci q’eu intuía o diferenciado, mas achei que aprenderia com o óbvio não explícito; ela, assim percebi, infantilmente inventiva, com imagística parecença de mim ela me cria feito sua cara-metade... Mas aí, como qualquer quimera, vê-se o sólido se desmanchando no ar. E então, babau. Talvez por beirar o fácil semelhando afinidades que desvendem frescos princípios, haja em si a aparente comodidade em preservar caquéticos arquétipos.
  É a tal coisa, se nada me diz, tenho o direito de achar o q’eu quiser — e olha, suponho coisas tão horrorosas que até me vexo só de entressonhar... 
 
 Bem.

 
 Por considerá-lo bom articulista psi, Coldre, como meio maieuticamente parteja seus leitores, ao “Ajudadouro” eu escrevo, ainda que hesitante dum retorno. Me desculpa pelas palavras excessivas, a prolixa falta de concisão, mas acredite, tentei, ainda que atabalhoado.

  Desse episódio desassossegado, independente da sequência, senão, aferrado de dele guardar meu aprumo, o reganho que de mim eu mesmo pilhei, desencurvar-me é minha tenência, é ânimo; e ainda, dessa maneira dei de atentar minha predisposição a outrem, cuidando de quando tragado o quanto sou consumido.
 

  Mas, e aí, em relação àquela que elegi acolher, a encantadora ruiva salpicada de sardas graciosas, ela q’eu franco de inteireza a atentei com palavras, quefazeres..., aí, quê que faço, simplesmente dou de ombros?
  Antecipadamente, agradeço por seu tempo despendido.
  Germino da Terra, de Paty do Alferes, RJ
 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 23/11/2012
Alterado em 19/12/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras