retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Copacabana, de Joaquim Ferreira dos Santos
Aos 120 anos, a mais perfeita tradução do Rio (n'O Globo de 9 de julho)

Entrei na Tonelero a 120 por hora para co­memorar com estas 120 linhas, escritas em menos de 120 minutos, os 120 anos daquela senhora, ora ora, qual outra se não a de hoje e outrora, a Copacabana, a prin­cesinha do mar, a que já foi sinônimo de pecado nos anos 50 e hoje é a muy distinta capital na­cional da terceira idade, todos jogando biriba no Posto 6 e cruzando o bairro em carrinho elétrico da marca Freedom.
  O Rio em um bairro só seria este aqui, um bom lugar para encontrar, para namorar e to­dos os eteceteras das muitas canções sobre Copacabana. É uma mistura de Zona Norte com Zona Sul, e eu digo tal sem preconceito. Na boa, nas boas, como essas garotas cola­das, dando gargalhadas sem roupa, dentro dos orelhões da República do Peru.
  Copacabana começa na Princesa Isabel, on­de Antonio Maria e Rose Rondelli, a Miss Cam­peonato da Rádio Mayrink Veiga, namoravam numa suíte do Plaza, e vai até a medalha do Caxias no museu do Forte da Francisco Ota­viano. No meio do caminho tem uma pedra, tem o apartamento do Drummond na Joaquim Nabuco, tem a casquinha de sorvete gigante na porta do Zero e tem as duas polegadas da Marta Rocha, vizinha do Caymmi na Souza Li­ma, extrapolando do maiô Catalina.
  Copacabana é grande demais para caber numa crônica, num passeio de 120 linhas co­mo esse que agora se faz pelas ruas do bairro a bordo do conversível do mesmo Antonio Maria, o triste morador da Fernando Mendes, o sujeito que um dia desceu para trocar um cheque no restaurante da esquina e enfartou na calçada do Rond Point, aquele da sopa de cebola, e hoje uma agência dos Correios.
  Copacabana está sempre mudando de cara, já foi a dos Guinle, mas já lhe reinou também a Kátia Flavia com a calcinha exocet. Numa manhã de primavera o bairro inteiro foi tomado pelas braçadas da Lady Di. Ela começou a nadar na piscina do Copa, se estendeu pela Galeria Menescal, foi seduzida pelo som de um CD de sereias que saía da Modern Sound e depois voltou tudo de novo, nadando pelo piano do Sacha no Vogue e pela sopa de beterraba fria da Polonesa.   
  De vez em quando eu entro para passear de graça pelo mesmo Copacabana Palace de on­de Lady Di saiu. Pego uma das maçãs verdes do lobby, me espanto como conseguiram es­pantar os pombos das mesas da pérgula, e vou ver no segundo andar a galeria de fotos de quem mais esteve onde agora estou. Gene Kelly, Mário Reis, Gina Lollobrigida, De Gaulle. Todos olharam por aquela varanda sobre a Atlântica e são sabedores de que existem praias tão lindas e cheias de luz, nenhuma com o encanto que ela produz.
  Eu propriamente dito, moleque expedito, nunca aqui morei, mas já pratiquei outros ca­cófatos de caqui, uma mão, e erros diversos contra a cultura nacional, tendo sido o maior deles o fato de não ter filmado o dia em que Glauber Rocha, numa vila à direita da Rainha Elizabeth, me deu entrevista de sunga. O baia­no mamava um charo de maconha que ia des­te canto ao outro da página.
  Copacabana é Deus e o diabo na terra do sol. Leila Diniz morou no Bairro Peixoto, a Miss Elegante Bangu desfilava no Golden Ro­om, mas pelo lado do demo houve quem cur­rasse Aida Cury. Eu estava na mesa ao lado quando o jogador Almir Pernambuquinho saiu em defesa dos Dzi Croquettes, num res­taurante da galeria Alaska, e foi morto por portugueses que xingavam os bailarinos an­drôginos de “paneleiros”.
  De tudo que é Copacabana eu provei um pouco, e tanto posso relatar uma cirurgia no Copa D’Or como uma orgia no clube de swing logo ao lado, porque isso aqui, ôoo, é um pou­quinho do Brasil, e eu vivo de anotar essas mil frutas enquanto ando pelas ruas, chupando um sorvete, cumprimentando o Caymmi, o Braguinha, o soldado do Drummond, todos de ferro e mármore. Chuto chapinhas de guaraná. Caçula no Beco da Fome, vou ao apartamento da Nara, tergiverso pelas esqui­nas, e quando eu vou ver me perdi das minhas reais intenções, o mesmo que periga aconte­cer com este texto que, agora me lembro, foi feito apenas para saudar os 120 anos desta ve­lha senhora.
  Entrei a 120 na Barata Ribeiro, parei a qua­tro dedos da vitrine de empadas do Carangue­jo. Convoquei o Clovis Bornay na Prado Jr, a stripper Angel no peep-show da Serzedelo e o fotógrafo Antônio Guerreiro na esquina da Princesa Isabel. Alguns mais, outros menos, fomos todos da Juventude Transviada e, pode procurar nas fotos, estávamos na plateia que quebrou as cadeiras do Rian na estreia do “Balanço das horas” com o Bill Haley. As belas policiais que hoje comandam a Delegacia Le­gal da Hilário de Gouvêa compreenderão o de­lito hormonal, doravante já prescrito.
  Copacabana há muitas, algumas quadríssi­ma da praia, outras de fundos para o morro da Chacrinha. Tem a da música do Braguinha (“pelas manhãs tu és a vida a cantar”), tem a do Caetano (“esconde o superamendoim, o espinafre, o biotônico”), tem a do músico Fausto Fawcett que, do balcão do Cervantes, vê as mulheres passando e garante que todas elas vestem jeans da grife japonesa Mikome.
  Qual é a sua Copacabana?
  Eu conheço de vista aquele senhor que can­tou “My way” no filme do Eduardo Coutinho sobre os moradores do Edifício Master e co­nheço não é de hoje o Paulo Coelho, morador do prédio ao lado do Lucas, atualmente na Suíça, mas que se por aqui estivesse a mim se juntaria nesta crônica de louvor a todas as Co­pacabanas reais e imaginárias.
  A nenhuma delas ponho defeito nem derramo o pranto da saudade e do ah, como era bom, ah, como era glamourosa e black-tie. Foram-se os castelinhos na orla, é uma pena, mas lá está o Mae West do Oscar Niemeyer no Posto 6.
  Certos dias eu prefiro a que se vê da piscina de azulejos negros na suíte de Dona Mariazi­nha Guinle, no Copa, em outros tantos subo com o De Plá até o Pavão-Pavãozinho e des­cortino o cenário patrimonial da Humanida­de. O Sérgio Dourado encheu tudo de quitine­te, o metrô encheu tudo de gente, um prefeito afastou o mar lá para longe. Não adiantou.
  Copacabana, com seu colar de pérolas, com o seu sanduíche Cervantes, com seus for­tes segurando a onda, Copacabana a tudo so­breviveu e parece tão deliciosa quanto as pa­taniscas do Pavão Azul, mais firme que a pe­dra do Pão de Açúcar ao fundo, mais eterna que os peitos de cerâmica da índia art déco na fachada do ltahy.
 
Joaquim Ferreira dos Santos
Enviado por Germino da Terra em 11/07/2012
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