retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Paiol Velho, segunda-feira, 16 de abril de 2012.

Florinda, Florinda, nem sei o que falar. O quê que aconteceu entre a gente? Em fevereiro, depois de anos, nos vimos e fomos à casa de nosso primo mais velho; noutro dia fomos à pizzaria. Só. Você retornou a BH; eu pra cá. Começamos a trocar e-mails... Nos apaixonamos — é isso?! Somos primos de primeiro grau. Sei, nada a ver, não vamos procriar rebentos...
  Se quer saber, atarantado beiro a incredulidade.
  Como é que você vai fazer com seus pais, como lhes dará a notícia? Eu, em relação aos meus, acho que por ora vou deixar a história assim, descontada, até a gente se aprumar de fato. Que situação: falar de relacionamento amoroso com os velhos, nós coroas agindo feito dois adolescentes. Eu acho que o seu problema é maior: seus pais questionarão “Mas como, minha filha, você, com sua vida estruturada, como vai se relacionar com um primo que não tem onde cair morto! Esse sujeito sempre, desde criança sempre foi tido como a ovelha negra da família. Minha filha...”.
  Florinda, ainda tremelico. Vou parar de escrever e deixar que leia o já escrito. São duas datas, 13 e 14. Se quiser, primeiro leia o de sexta-feira 13... No sábado, de jeito e maneira eu não consegui enviá-lo. É quando pego os seus e-mails, meio me pondo contra a parede. Aí, ainda desacreditando escrevo sobre o que começo a acreditar, me fazendo de desentendido.
  Tô pensando em descer na quinta-feira. Quando eu chegar ao Rio, pelo celular te mensageio pra marcar uma hora de nos encontrarmos no skype.
  Quem diria, vê que pós-modernidade: nos apaixonamos através de e-mails, virtualmente, e, via mensagem de celular, nos declaramos. Contando essa história, sei lá, vão pensar que estamos variados.
  E agora, como me despeço de você? Olha, ao final do primeiro e-mail, lá abaixo, em vez do meu tradicional Em tempo, a modo de dizer o que me engasgava, pus um Sem tempo, e bobo, sem graça peço a sua mão... e ainda pergunto se você aceita. Careta mas bonitinho.
  Um beijo, Florinda, e um longo abraço afetuoso. Carinho.
  Germino

Paiol Velho, sábado, 14 de abril de 2012.

Você apareceu pra mim, Florinda, como um anjo. Beijar olhos de cego é descortiná-los — clareia.
Como não consegui que me lesse, a trago pra casa e aqui te retorno.
  Percebo alguma coisa novíssima acontecendo, entrando em mim, sim, se já não entrou... Entrou, tá aqui; mas, e sair a você? Li umas 367 vezes o que me escreveu. Medro d’eu estar entendendo tudo errado. Diz, Florinda, que não, que não tomo o mau sentido e desvirtuo.
  À minha ideia martela um aforismo do Schopenhauer — chamado filósofo do pessimismo (o considero realista) — e, com palavras minhas o reproduzo: quando se cria grandes expectativas e elas, por fim, mostram-se quiméricas, fugazes, sifu — tu tá fodido, o tombo é grande! E num é! Tantas vezes viajei na maionese — não em relação ao amor, mas ao trabalho.
  Desperto ao amanhecimento e levanto às seis; faço o abracadabra de sempre: sento frente este computador e tiro o teimoso coelho da cartola, rabisco asneiras. Eh, mediocridade! Preciso me encontrar do Cartola — ao amanhecer, o oboé ecoa, todo dia...
  Sobrevivendo sem atividade e sem renda, esta consequência daquela, minha insegurança é tamanha. Me pergunto: quem se interessaria por mim?! Linda (posso, vez e outra posso te chamar assim?), me entenda.
  Certa vez escrevi uma carta e à destinatária pontualmente delineei minhas pegadas frustrantes. Ao final de cada, eu perguntava: “E se assim fosse contigo?...”. Aquela, assentindo recolheu rabo entre pernas.
  Conte comigo pro que der e vier, Florinda. Eu estou sem eira nem beira mas sei separar a minha situação da dos outros. Não imagino o mundo conspirando contra mim, não; quando usei as palavras “paranoia” e “mandinga”, foi força de expressão. Não entenda o que falo ao pé da letra — caminho veredas pouco caminhadas. Assim como brinco com sexta-feira 13.
  Vai, o que desejar, divida comigo.
  Linda (copiei a sua imagem do Facebook pra, ao te escrever, mirá-la e você me inspirar), Linda, de jeito e maneira eu quero te perder! Não me deixe perdido! Desista de mim, não. Ainda não. Aguarde mais um bocado.

Paiol Velho, sexta-feira 13 (caramba, é hoje, tô lascado!), abril de 2012.

Ô, Florinda, quando nos encontrarmos no skype, no final de semana que entra, vamos falar um pouco de ioga, da prática e dos benefícios ao corpo e à mente de quem a faz? Você tem algum material digitalizado que possa me passar?
  Eu desconhecia q’ela exige esforço físico. Imaginava — vê que ignorância! — atitudes ritualista, contemplativa... Então é isso, por isso você tem esse corpão delineado! Pensa que não reparei?! Quando àquela noite fomos comer pizza, admirado eu atentei a Vênus num minivestido. Pensei: essa menina deve malhar todo dia em academia... Ah, danada!
  Não conheço a cantora Tatiane, não. Mas se ela homenageia Elomar, já gostei. Tudo deste cabra das cabras, de seu filho Omar, dos cancioneiros Xangai, Vital Farias, Dércio Marques, Paulinho Pedra Azul... Tudo dessa gente me interessa.
  Feita minha personal coach, Florinda, farei a sua recomendada lista do que “sei” laborar. De cara adianto que será minguada, visto que passei grande parte da adultês lidando com as aladas. Nesse ínterim, mexi com horta, planta, porco, rã, cão, cavalo, minhoca, desidratei frutas... Pequenas coisas no nível doméstico. Depois de a reverenciada Apicultura pifar, cultivei jardins e criei escargot, e deram n’água. Afora do meio rural, fiz editoração eletrônica — fiquei ano e tanto estagiando na Trend, hoje desfeita, e ali, pau pra toda obra, aprendi um bocado. Com a falta de prática desaprendi a mexer com Pagemaker, por exemplo, que adorava. No entanto, ainda hoje sou meio caxias com a mancha no papel, a deixar meus textos com agradabilidade de leitura à metade de meia dúzia, meus três leitores.
  Voltando à lista, meu primeiro emprego, e único com carteira assinada, foi aí, na Promig do seu pai, em 76. Pra construção duma subestação em Santa Luzia e de outra em Coronel Fabriciano, a elas eu fui contratado como apontador. Quando na primeira, eu dormia em BH, no acampamento margeando uma favela, à Rua Contria. Depois de ano, transferido pra Niterói, fui almoxarife, também junto à favela — mas aí, da casa de meus pais, doutro lado da Baía de Guanabara, eu ia de barca. Todo final de mês entregava ferramentas e fazia pagamento aos peões (tenho um monte de fotos) nas obras do norte do Estado do Rio.
  Em 78 meu pai comprava o sítio Paiol Velho e sistematicamente eu vinha pra cá. Escutando o dialeto local, encasqueto de conhecer os demais — me dá na telha de revirar o Brasil. Catei minha Pentax 1000 e fui ao nordeste, ao norte. De caminhão, de barco... zanzei lá por cima do país fotografando gente. Dois meses. Retornei, e no laboratório do amigo Caíque, em Ipanema, em PB eu mesmo ampliei o que retratei e ofereci a jornais alternativos — mas estes estavam escasseando...
  Então, me enfurnei aqui no Paiol Velho onde estou até hoje.
  Dessa parte, outro dia já te falei.
  Vê tamanho miúdo de lista dum cara de meio século!
  Sobre essas coisas, lembranças, antes de deslembrar é q’eu queria escrever. Tenho receio de não saber, de ficar prolixo, ideia encompridada, enfadada. O que outro dia escrevi sobre mim, seria o tal calhamaço, mas, como disse, perdi o fio da meada. Sobre a minha vidinha, tenho material à beça. Aliás, tudo que escrevo se relaciona a ela — e não poderia ser diferente. Escrevendo sobre mim, de meu universo, abordo os de outrem, universos alheios que, de alguma maneira, pode interessar. Tudo disperso, teria de ajuntar.
  Escrever... Sobre isso, quero te perguntar, Florinda, e, por favor, seja sincera, hein: o quê que você gosta e desgosta em minha escrita? Pergunto por que, além d’eu ser inseguro, nela sempre procuro agregar observações alheias. Num é pra agradar Fulano ou Beltrano, não, mas tão-só pra aprimorá-la. Sei que não sei fazer doutra maneira, mas posso melhorar...   
  É, parar de fumar e de beber é meu desejo. Mas, sei lá, enquanto não vislumbro novidade real...
  Você sabe, Florinda, que fiquei sem beber por quatorze anos, e, durante este período, cinco sem fumar cigarro (vez e outra, à tardinha, depois da lida e de brincar com meu filho na piscina, com bola, frescobol, ping-pong... relaxado eu dava uns tapinhas na Maria Joana, cultivada por mim mesmo)? É, fiquei. A mãe do menino, não fumava nada e não bebia... só um cálice de Vinho do Porto. Aí, quando dela me separo dou com gente que fuma de um tudo e bebe todas, além de cheirar. De bobeira, em Abrolhos — onde passei mês e pouco logo que me separei —, à Anti-Cabeça, com quem viajei, a ela eu peço um Marlboro, e então, pimba!, num deu, voltei à carga. Quando pouco depois conheci a dotôra, aí, nossa, ela se encharcando de cevada e semelhando chaminé de Cubatão... Emburaquei.
  Hoje, há muito, fico com Marlboro e Magnífica amarelinha, recolhido.
  Mas deixa essas lembranças furibundas pra lá, no fosso!
  Eu quero me inteirar de yôga, yoga, ioga...
  Você, como natureba (essa palavra não é pejorativa, hein, está dicionarizada como acepção informal), você já fez uso continuado de geleia real? Olha, trás enormes benefícios holísticos. Eu produzia e a comia junto às larvas lambuzadas dela — enzima pura catalisando vida. Que saúde! Hoje, pra mim, é caro: 20gr = 25 Reais. Recomendo 200mg diários, o equivalente a um grão de feijão cru, em jejum, sublingual. Após dez quinze dias, sentirá a diferença. Saudade. Mas olha, tem-se que saber a procedência, hein.
  Ô Florinda, tenha dó! Entenda que ficar catando “erros” em textos, é coisa minha comigo, com o respeito que tenho à palavra escrita, já que com a falada eu tenha enormes dificuldades gaguejantes, me embanano todo, o rosto cora, fria a barriga... Entenda e sossegue, menina. Me despreocupo com o dos outros.
  Talvez isso venha, num sei, do tempo que editorei praquela firma. Lá se tinha um rigor e tanto. Como os textos a revisar e a editorar eram educativos, destinados às escolas conveniadas a ela, até tropeços de professoras os apontei. O material era destinado à educação, tinha que se cuidar da correção — Dona Zinha só ali, de olho. Eu, imagina, um desregrado de tudo, achava aquele português normativo um porre. Mas, que jeito... Batia continência.
  Entendo patavina de Gramática, só intuitivamente. Ainda assim, me metido a transgredi-la e compor minha voz, que pretende ser oral. É minha e ninguém tasca — nem o Doutor em Comunicação, o desirmão! O meu aprendizado tá em leituras, nada é sistemático nem acadêmico. Procuro me inteirar do Novo Acordo Ortográfico, ele taí e num tem jeito, dele nem adianta discordar — sempre o acrescento ao corretor do Word.
  Mês a mês, nas bancas eu compro Língua Portuguesa — tradução, gramática, etimologia, narrativa. Uma revista e tanto! Sugiro ao seu filho, jovem literato. Tem também Língua Portuguesa — conhecimento prático, voltada ao professorado.  
  O que não entendo são o vocabulário e a grafia internetês. Me incomodam. Você já assistiu a algum filme legendado assim: “tb”, “vc” “he” “pq”... e sei lá mais o quê? É terrível! Eu boiei.
  Deslizes aqui e ali, peraí, quem nos os comete! Do linguista Marcos Bagno ao cânone da ficção tupiniquim, Machado de Assis, encontra-se deslizes. Eu acho que somente não, nenhum algum, nos escritos do tão rigoroso Graciliano Ramos... Guimarães Rosa reinventou o português sem dogmas, Francisco Dantas segue, de Moçambique ao Mundo Mia Couto desregra... Vê!
  Germino
  Sem tempo vario fantasiando um tango: nós juntinhos ao luar, serenos, eu tão enamorado de sua essência, te peço a mão... Hein, aceita?
 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 17/04/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras