retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


— Oi. Que bom que você tá aqui!
  — Tô aqui há quase hora. Estranhei de a Alfa estar solta. Pensei que você estivesse viajando....
  — Não. Eu fui ao Certo, fui à lan house pra abrir uma conta no skype e dizer à Maria Lúcia que estaria “pronto” ao coaching. Mas a Mirian, a dona da loja, ela não sabe operar o programa. Então à Maria enviei um e-mail contando o dificultoso, e que na quinta-feira voltarei à loja, quando um técnico em computação vai estar lá.
  Se quer saber, tô num nervosismo danado, expectante d’eu ter de falar sobre mim através duma tecnologia desconhecida e, principalmente, com uma dona que desconheço.
  Aproveitei e sondei o custo duma camerazinha mais áudio com fone pra pôr na máquina de meus pais. Quando eu voltar, daqui a uns 15 dias, instalarei. É, mas de lá não poderei falar com a Maria. Inibirei, visto que treleio com os velhos e vez em quando de esguelha urubusservam meus procedimentos ao computador. Eles, sobre isso, entenderão patavina... Mas nós, eu e você, poderemos trocar palavras nos vendo. Pode deixar, sei — carece de alertar, não —, sem q’eu me remeta à minha mesmice, mas, tão-só ao hoje e ao amanhã, à projeção, ao supor.
  — Mas no Rio a gente se fala ao vivo, menino...
  — Ah é... Mas sabe, eu medro, de mim mesmo tenho medo de, neste processo, de a ele prefaciar tamanha quimera. E aí, então, puf, babau.  
  Hoje, a coisa tá assim: a longo prazo! Quando a minha lida era a apicultura e ganhava uma boa bufunfa, sem atrapalhações emotivas motivadas por calhordices alheias, em instantes, ou com poucas hesitações, eu resolvia as pendengas. Hoje...
  Ó, só te falo isso, assim, por que você mesma quem disse pr’eu te dar notícias.
  Mas, seguindo o seu aconselhamento, desde que retornei do Carnaval no Rio, comecei a mudar alguns de meus hábitos. Coisas bobas, mas, inda assim, doutro ângulo admirado miro o conhecido de cor e salteado. Refiz canteiros de plantas...
  — Eu vi...
  — ... À tardinha, sentando ao alpendre mudei de assento e a sua posição, daí vislumbro o rosáceo das nuvens, os passarinhos cata-catando seus jantares; dei um tempo às músicas entristecidas de Leonard Cohen, Tom Waits, Dercio Marques, Elomar... Ouço a inevitável algazarra das maritacas, o vento e ouço o silêncio. Sobre silêncio, um dia, burilando comigo, sobre ele escrevi. Coisas de pouco valor, bem sei, levam a nada, mas, ué, ainda ensaio, engatinho. A Alfa e o Dudu só ficam me olhando, estranhados.
  Penso em, outra vez, em ir a Mar de Espanha — preciso escapulir daqui. Resta saber se meu primo e a mulher ainda me aturam... Vamos, Florinda?
  — Mas, nossa, você tá, hein, um tagarela — carácole! Eu queria conhecer o gaúcho que em 74, em Ouro Preto, te apelidou de “Calado”...
  — Ele morreu há tempos, de AIDS.
  Ao telefone, outro dia a Tia Lenice me disse que o cunhado dela, o Alci, q’ele vem aqui ver um lugar — sítio, num sei — pra viver. Que aqui teria assistência médica e bababá... O aguardarei. É, mas de cara lhe direi que o buraco é mais embaixo. Direi que os próprios médicos da região zarpam ao Rio ou a São Paulo pra se tratarem. Até de pereba!
  A ele eu me exemplificarei com aquela que convivi de perto, e o Alci, em seu restaurante ele não a conheceu — ninguém conhece aquela persona, nem a própria — mas ele saberá de quem falarei. Assim como os seus pares, pra se curar dos males, em tais circunstâncias ela recorre a doutores noutras estâncias; nem se apercebe que mau-caratismo num tem cura — é hereditário ou é congênito.
  Eu mesmo, quando por duas vezes fui estropiado por automóveis, quase indo ao beleléu, tive de zunir daqui.
  Nessas bandas de cá, direi ao Alci, a Medicina dá status — ah, se dá, dá uma confortável vereação e meios de cobiçar o cargo máximo da Prefeitura! —, é, mas, a medicar medicar, não, não passa de curandice.
  ...
  — Meu Deus! Agora, eu, eu posso te falar?
  — Vai, fala... Mas...
 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 24/03/2012
Alterado em 24/03/2012
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