retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


coaching

— E aí, afinal você enviou o e-mail à Maria Júlia?
  — Sem saber como me expressar com ela, e o q’eu deveria lhe dizer, titubeei em fazer o contato. Entrei em seu site e, tentando entender o processo, nele perambulei. Entendi que seja mais coletivo, pra empresa ou sei lá. Mas, como você disse que seria bom pra mim, arrisquei e a ela enviei isso aqui. Lê. Acho q’eu fui prolixo, pouco objetivo, mas...
  O que encasqueto é de a Maria Júlia nem abri-lo. De ela ver cair de paraquedas em sua caixa um paiolvelho@ qualquer e nem dar bola; ou então, se abrir, dará com uma mancha enorme, um palavrear enfadonho, e deixar-me a escanteio.
  Olha o tamanho de minha insegurança...
  Independente de iniciar algo com a Maria, na segunda-feira agora eu fiz a minha última consulta com a psicóloga aqui da região.
  Bom, tentei. Senta aqui. Dá uma lida.


 
.....

Paiol Velho, quinta-feira, 8 de março de 2012.

Doutora Maria Júlia,
meu nome é Germino da Terra. Através de uma amiga comum eu soube de seu trabalho com coach, procedimento que desconheço. Nos dias de Carnaval, em conversas abertas a ela expus os meus embaraços que agora beiram à agoniangústia, uma atrapalhação danada. Disse que até recorri à terapia com psicóloga... Ela então sugere d’eu falar contigo se seria possível, em relação aos meus problemas, de aplicar a técnica coaching, que a você eu expusesse o meu caso.
  Bem, cá comigo relutei um tanto e meio sem graça reúno brevíssima autobiografia ao o que me ocorre: tenho 56 anos, nascido e criado em Ipanema, berço da nata frívola do Rio. Há 33 optei por morar no sítio Paiol Velho. Já coroa, iniciei e não concluí a faculdade de Web Design e Designer Gráfico — portanto, não tenho formação formal alguma, mas tão-só autodidatismo. Durante 20 anos eu criei abelhas com sucesso, mas circunstâncias externas me sacaram do ofício — não q’eu a elas atribua exclusividade pelo fracasso, mas é fato (quem conhece o métier, atesta). Foi quando arrisquei retornar à Capital e entrei no curso de Design. Além do algoritmo, voltar a viver na metrópole me desmilinguiu, aí, depois de prolongado ano, à roça capino outra vez. Tentei, por anos tentei, sem êxito comercial, variadas atividades profissionais — dentro e fora do universo rural.
  Em 1980 eu casei e tive filhos, um casal. Em 95, divorciado ajunto meus trapos aos de uma carismática médica aqui da região. Depois de dezesseis anos, agora em novembro, fortuitamente a desvelo, retiro o véu da traíra que me traíra desde sempre com um amásio fixo. Ela, quem a tudo eu referenciava, quase reverenciando, hoje me é tamanha decepção! Ou a valorizo desconforme?
  Num sei se tem a ver ou não, mas encasqueto de minha queda profissional coincidir com a ascensão deste longo adulterino q’eu desconhecia. Sei lá, deve ser maluquice minha... misticismo bobo que, inclusive, desacredito.
  Ora, a modo de expurgar a desdita, me restrinjo a escrever obsessivamente sobre o meu mundico, principalmente sobre este período — ficcionando-o ou não adentro ao real sem dele escapulir.
  Resumindo, ignoro o fazimento do dia a dia e, principalmente, de minha caixola não consigo purgar a espichada traição — 1/3 d’minha vida posto na latrina! Resta-me, eu sei, puxar a descarga e pô-la a descer ao fosso, assim areando o empestante. Puxo-a, puxo mas o bodum reflui — talvez o encanamento esteja entupido, num sei...
  Ingenuamente eu imaginava que, depois de três meses, que se estivesse cara a cara com aquela persona, devaneei que só assim os meus sentimentos amainariam... Através dum pequeno estratagema — somente desta maneira que a dobrei —, com ela estive a trocar palavras, mas deu em nada. De pés juntos, cinicamente negou tudo ou foi reticente: “... Mas, S., se enjeita o que li, me diz então, aqueles bilhetes àquele, quando zomba das intermitentes mulheres do pançudo Queridíssimo enquanto você era casada com o pai de seus próprios filhos, S., e depois comigo, quando historia as velhacarias de ambos, e ainda, galhofando finaliza que ‘Volto pro meu amor...’ — eu, o chifrudo da vez —, entretanto, lhe acena que dele continuaria eternamente amancebada, aqueles bilhetes significam o quê, hein, que nem sabe deitar significantes significados?! Bem sei que não; mas não nesse caso”. Entre tantas parturientes inquirições, por fim a pus contra a parede. E ela, blasé: “...”.
  Minha amiga, condoída de mim, percebendo que uma terapia convencional é longa e de pouco adiantaria, me indicou o coach, d’eu fazer contato com você, Maria Júlia, se se interativamente, via internet, poderia coaching comigo, e a qual custo...
  É isso, doutora. Se puder me retornar, eu agradeço.
  Germino


 
.....

— Eh, Mino, tá muito bom, tirando o excesso de linhas sobre a S., tá ótimo! É verdade, a Maria Júlia deve estranhar quando lhe pousar um paiolvelho@, deve, sim. De qualquer maneira, pra nos garantirmos d’ela o ler, através de meu e-mail a ela eu encaminho o seu. Manda pra mim...
  — Vê, olha só, Florinda, olha aonde toda essa bela porcariada tá me conduzindo: até recorrer a uma desconhecida com técnica que desconheço, recorro! Pô, e eu ‘tava aqui, bem, tão bem aquietado... Com os meus problemas, é verdade — quem não os têm?! —, mas, caramba, nenhum desta espessura! Como adorno eu dessabia de, por anos, de ornar tamanha galhada... Sabe, Linda...
  — Ih, você me chamou de Linda!!!...
  — ... Sabe, tô cansado demais, exausto. A encucar com esse vexaminoso desavergonhamento, eu até preferiria de dessaber...

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 13/03/2012
Alterado em 16/03/2012
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