retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


S.,
seu texto, ao acaso de outros vários, no retentivo irreversível das palavras, em pesada obscuridade fatos passam-se. Inda assim nele penetrei, no extremo das frases catei um querer-dizer de aparência sem significância. No meio da leitura, pensei ter desaparecido meu ler. Foi como quando incrédulo pela primeira vez li seus dois bilhetes àquele. Aliás, sobre estes você só se refere a um; ao que biografa um poeta gaúcho e convida seu amigo à “juntinhos” o lerem, a este, nem nada. Fui indo deslembrado e relembrei de como esparrama a sua semântica. Eu imaginei, em relação aos dois, que seria pontual. Mas não.
  Bem, você inicia o texto e prolonga-se quase à metade da mancha a falar parte do q’eu falo: com suas palavras, se diz indignada de meu ultraje rigor... Por fim, seleciona fatos e a eles vai, não a todos:
  Refere os trinta anos que conhece o referido amigo. Que neles, os anos, teve vezes de terem proximidade, outras nem tanto, e, numa mesma semana, por duas vezes tiveram “maior intimidade” — eufemismo à parte, maior safadagem. Diz que na ocasião nós, eu e você, “estávamos separados ou distanciados, numa das inúmeras vezes que isso aconteceu”. Bem inquieto nelas pensei, nas “inúmeras vezes”... Qual delas? Em 2003, por quatro meses estivemos separados até você armar de nos encontrarmos no aniversário de nossa afilhada; depois, em 2009 até agora, três anos. Ao que sei, que se saiba, das duas vezes foi como exatamente foi, ou eu supunha: separados, porém, intimamente ligados e compromissados de mútua fidelidade, visto que, nesses períodos, não nos desvencilhamos. Então, sempre negando sua estreita aproximação àquele, numa semana por duas vezes estiveram na safadagem! S., antes do numeral, esqueceu de usar o advérbio apenas — ficaria quasinho eufêmico. Você acredita q’eu credito duas vezes serem menos que mais de duas — mitiga —, que as duas ficaram em duas?! Ora!
  A citação que fiz ao pai de seus filhos, a fiz por que debochando dele você o cita junto à L., a mulher corneada daquele que estava contigo; debocha de mim enquanto seu marido; debocha das outras traídas do outro, a M. e a F., onde você se entremeava.
  Sobre o Computa você diz q’eu não consigo “entender que duas pessoas de sexos diferentes, possam passar uma noite, trabalhando[!], conversando e tomando cerveja”... Vocês, bebendo cevada entremeada com Frangelli, por uma noite inteira falam sobre informática... Hum! Eu não entendo mesmo, e, se fosse eu com outra, você entenderia? Nem a mulher do cara “engole essa parada”, como ele próprio diz, e diz que em sua casa, na sua ausência, homem algum adentra. Só mesmo a S.-cabeça-feita, entende... Sei, entende apenas como suposição, por que, se de fato acontecesse comigo, eu com outra, ou outra com quem você estivesse compromissada... Mesmo não havendo sexo, “duas pessoas de sexos diferentes” passam a noite conversando e tomando cerveja”!... Hum! Haja dissimulação!
  “Concordo que lendo o que você leu [e soube], eu tambem ficaria assustada, estarrecida e emputecida. Concordo”. Se você concorda, S., por que q’eu, Germino, não devo espargir meu espavorido, tamanho assustamento, estarrecimento, putice, hein?! Pra fazer-me de liberal, dum corno manso?! “Machismo primário”, ciúme patológico, do que me acusa, é condição bem diferente da de flagrar situações escandalosamente escabrosas!
  Diz que quando o fato se deu — d’eu “invadir a sua privacidade” e descobrir q’eu não era seu único privado —, por dois dias me procurou. Procurou, é verdade. Àqueles dias, se nós nos cruzássemos, naqueles dias eu te cuspiria na cara. Portanto, assim foi melhor, foi sim. Deu tempo d’eu vomitar em textos quase tudo, à cata de amaino tentei expurgar a nódoa. Hoje estou mais calmo, até por que consegui tirar de você, enfim, coisas quaisquer, inda que desacreditado tirasse esses uns, oblíquos ais.
  O desvelado foi numa quinta; na sexta e no sábado eu nem queria te ver nem ouvir a sua voz; no domingo telefono pra que nos víssemos e pra te mostrar a carta que escrevi aos seus filhos te revelando a eles, mas você nem nada. Disse q’eu era covarde e que do jeito que escrevi lhes enviasse. Pela nesga de consideração que tinha por você, reneguei da intenção, e, por ora, assim ainda me mantenho. 
  “Quanto a palavra ‘queridíssimo’” e outras variantes de carinhosidade que usa, sei, assim se refere a atendentes, ao telefone, a entregadores, a irritantes vendedores... a uns quaisquer, a qualquer um assim trata, não faz distinção alguma dos diletos. Mas, sabemos, àquele não é com tal impessoalidade que maiusculamente carmim grafa Queridíssimo.
  Você diz: “Recuperei todas elas [pessoas amigas], uma a uma, apesar de tudo”. Pessoas das quais “[me] distanciei e reprimi, porque você não as aceitou ou vice e versa”. Mas então, e aí, se realmente voltássemos como é que conciliaria universos tão distintos? Vê bem, eu não as aceitei, não — e você bem sabe —, duas das de seu meio não me aceitam, o tal mais a irmã. Ele, além do sabido, por eu defender as então crianças de ele bêbado e cheirado às onze da noite, em Búzios, querer levá-las ao mar, e aí quase sai safanão; a irmã, por que você, tirando o seu da reta lhe mexericou de, um dia, eu ter falado mal de sua pernóstica mãe quatrocentona — diagnóstico q’eu e você, juntos, concluímos e demos-lha.
  “O que disse ser eterno, continua sendo: nossa  amizade construída e mantida de forma muito especial”... (especialíssima!), exulta a “amizade” àquele. Aí fico entre desconsiderar minha capacidade de leitura e a dubiedade de sua escrita. Prefiro crer q’eu sei ler, até coisas mal escritas. O fato do bilhete nunca ter sido entregue”, se de fato não foi, outro profundamente mais sedutor, profuso às intenções, você lhe entregou. Afinal, era aniversário do cara. O fato indiscutível e fundamental é que o escreveu tencionando-o ao Queridíssimo. Se foi entregue ou não, é de menos! Se entregado,Teria sido uma confidência entre amigos, jamais [jamais!] uma despedida”. “Como amigos que somos, falei com o B. pessoalmente, que havia decidido, tentar mais uma vez ficar com você”, eu, o palhaço. Vem cá, ó S., você sabe das diferentes indiferenças entre mim e aquele, então, lhe deu satisfações — e/ou pediu autorização — de nossa resolução, isso, pra quê?! Sentindo-se na obrigação de contar dessa nossa particularidade, é claro que também lhe contou outras variadas variedades de nossa intimidade.
  E eu, hein, o panaca desamigo dos dois na boca dos dois.
S., em sua tentativa de se explicar, você mete os pés pelas mãos.
  Você manteve os escritos em seus arquivos por que te excitava o risco d’eu ler? É bem provável. Uma dica pra que evite novos incidentes: o normal de qualquer normal é, decidido a reescrever um texto, é aproveitar o já escrito emendando-o até, pimba!, nascendo um novo o velho se evapora — a não ser que a ele se tenha outra destinação. Logo de cara, dá-se um nome diferente, como Queridíssimo II, III...
  Quanto às agressões em meus textos à sua pessoa, S., umas confiro ao que confessa (“Concordo que lendo o que você leu, eu tambem ficaria assustada, estarrecida e emputecida. Concordo”), a estas atribuo meu descontrole, embora legítimo, e me desculpo; outras não, essas com muita repulsa foram bem pensadas.
  Uma consideração final: sobre este assunto, nós, eu publico textos sem dar nomes aos bois. Sei até que alguns que me leem ficam sem saber se é ficção ou realidade. À M. L. envio cópias por que sei que, de alguma maneira, por você ela nos acompanha; envio cópias ao C. A. — casado com a sua, S., irmã adotiva —, embora eu não tenha contato com eles, envio por que aos dois nós, eu feito beócio, fomos anunciar o nosso retorno. Ele, em especial, por postar textos num sítio semelhado ao meu, poderia me ler sem conectar a quê. E, por um motivo bem pessoal: considerando os três (imagino o casal falando sobre o assunto), quero que também saibam a minha versão, não apenas a que você a eles embrulha.
  Desde julho eu vinha me acostumando com a ideia de nossa separação, S.. Refazia-me e até ia indo, quando em setembro/outubro você ressurge, me cerca, propõe que, com a experiência acumulada, que poderíamos nos retomar e ficaríamos bem... Por mês e pouco voltamos e deu no que deu. Teria sido melhor como ter ficado como ficara, pelo menos eu não saberia que fui um corno contínuo, e assim não precisaria de me deslembrar de coisas “boas” que vivemos. Agora, ojerizo tudo, lembrando, é tudo coisa-ruim.
  Olha, S., eu tô exausto, cansado pra caralho de pensar sobre isso — praticamente só faço pensar em minha desilusão indignada, na extensão retroativa. Como eu disse, através de seu breve e torto texto, amaino. E, pra quem se dispunha a retomar um relacionamento e de maneira tão escrota tudo mela, pra acabarmos de vez e tudo não acabar por e-mails, é de minha vontade que tenhamos um tête-à-tête. Será mais digno. Assim, proponho de nos encontrar num lugar público, mas que não tenha burburinho, onde nos iniba altercações. Proponho Fragoso, o pesque-pague do Mamão — lá têm meandros pra nos esgueirarmos de possíveis conhecidos. E que seja ainda pela manhã. Cada um vai no próprio carro, e é importante que cheguemos careta e lá moderarmos no álcool, até por que será breve.
  Preciso disso, duma instância. Eu já conhecia a sua exterioridade e, de viés, S., enxerguei o seu interior. Agora, derradeiro preciso de nos seus olhos olhar, mirar frontispício. Só, e, como se diz, match point. Assim acontecendo, sobre o longuíssimo estrupício de forma alguma mais nada direi.
  Por dezesseis anos tivemos cheganças tão espontâneas. De minha parte, sinceras. Interativamente a nós mesmos anunciarmos o enunciado de nossa terminação, num sei, é tamanha zombaria!
  É isso, aguardo o seu retorno.
  Germino

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 08/01/2012
Alterado em 19/01/2012
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