retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Rio de Janeiro, terça-feira, 20 de janeiro de 2011.

— alô?...

— Oi, Florinda, comé que tá?...
  — Parabéns pra você, nesta data...
  — ‘Brigado... Que isso, tô acordado... Não, não fiz nada. Hoje, fazendo cinquenta e seis anos, bostei o dia todo. Reli os últimos textos que escrevi sobre mim, eu chafurdado naquela porqueira. Imagina a minha indisposição!...
  — Menino, eu também estou no Rio... Por que não me procurou?!
  — ... Nem fui ao lançamento do livro Cenas de filme — contos em gotas, do Mestre Pimentel. Lá, quem sabe eu poderia rever, além dele, outras pessoas, colegas com quem vivi momentos bons, e desanuviar um tanto.
  — Puxa, eu iria contigo...
  — Não tive alegramento algum em reler o que escrevi, muito pelo contrário.
  Reli a S., o seu Queridíssimo e o palhaço, o pum!, aquilo marrom arg! , o replica... treplico!, e os que transcrevo rindo de mim mesmo, o palhaçada, o entristecido abrigo celeste e o desiludido segue o teu destino; reli também breviário duma grande e prolongada tramóia e seu efeito da mesma —, li, e, mais uma vez, me desmilingui bastante.
  Passado mês d’eu saber do engodo em que fui metido por dezesseis anos, a intenção foi de, de dentro de mim, depurar a podridão lamacenta. Os escrevendo pretendi, finalmente, encerrar a coisa — sem nunca com asco esquecer desse tempo, de com aquela mulher ter vivido tamanha esparrela. Como mesmo assim a coisa em mim deu em nada, pra lá de atarantado escrevi, e hoje reli, é isso, nada mais que isso, se fosse só isso. Ah, e também um que retorno à saudosa amiga que agora vive em Seattle, um que titulei antes de ela emergir a mim.
  Ao rascunhá-los, não tive intenção alguma além expurgar, de vomitar — nunca pude imaginar de engasgar-me com tamanha porqueira! Hoje, relendo, engasgado com o engodo corri à latrina. Meus velhos pais estranharam...
  — Imagino... Mas, porra, isso aí até parece masoquismo...
  — ... Quando dentro de mim a coisa desanuviar um tanto, com calma e por escrito me reportarei ao longo período que vivi com aquela trapacenta. No computador, eu tenho tantas lembranças rascunhadas, mas agora delas lembrarei com asco. Carregarei na tinta!
  Sabe, Florinda, mais que nunca eu me entoco. Não por vergonha de expor a minha galhada, mas mais por acabrunhamento d’eu neste logro me perceber um tremendo basbaque.
  — Ah, deixa pra lá...
 — Não, pode deixar, por telefone não te aporrinharei elencando os fatos — estão descritos nos textos citados, e você já os leu —, nem as lembranças dos longos instantes da ardileza que aquela me envolveu. Pra que não olhe apenas pelo meu olhar, em replica... treplico! dou voz à vadia...
  — Eu li...
  — ... Onde, truncando ela altera o prumo, mais uma vez tenta me engambelar.
  — Mino, eu sei, eu li...
 — Outro dia descobri que tenho o “dom” de encontrar água, líquido, no subsolo. Com meu filho eu fui ao pesque-pague do Mamão, em Fragoso...
  — Ah, eu quero conhecer esse lugar, esse cara...
  — ... O cara falou que é radiestesista e coisa e tal... E, com uma forquilha de ipê, ele demonstrou como é que é; outras pessoas presentes — até o meu filho! — tentaram, e nada. Desconfiando de truque, experimento: com força seguro dois galhos do Y e o outro verga em direção ao gramado — até machuca as minhas mãos —, verga onde, por baixo, em um cano corre água. Surpreso, me perguntei: será, posso aproveitar este “talento” pra outras coisas? Tipo assim: desvelar a podridão submersa antes de ela emergir a mim.
  — Quem sabe...
  — No mais, Florinda, te desejo boas festas. Desejo bons dias e boas sortes. Obrigado por se lembrar de mim hoje...
  — A gente não vai se ver antes do final do ano?!...
  — Eu vou passar o Natal com meus pais e meus filhos...
  — E a Alfa, fica lá, sozinha?!...
  — A Regina cuida dela, passeia... Na segunda eu subo ao Paiol Velho. Se quiser, lá a gente se encontra...
  — Depois do Natal, eu... o escritório entrará em recesso.
  Vamos subir juntos?!
  Germino

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 21/12/2011
Alterado em 24/12/2011
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