retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


 escrever como frustração
(sinopse, talvez, da própria Cia. das Letras, num sei...)

 
O jornalista Gay Talese é cheio de histórias para contar. Nessa autobiografia nada convencional, ele escreve sobre o ofício da escrita e os reveses a que estão sujeitos aqueles que por se aventuram por esse caminho. Entre os relatos das agruras para encontrar uma boa história, Talese nos deixa divisar sua vida e, especialmente, sua carreira.
  Os dramas começam no jornalzinho da faculdade que cursou no Alabama e prosseguem nos dez anos em que trabalhou como repórter do jornal "New York Times", no qual entregava suas matérias na undécima hora e sempre reclamava das alterações e cortes feitos por redatores. Anos mais tarde, ele contaria a história do jornal no livro "O Reino e o Poder".
  Em suas colaborações com revistas, Talese reuniu novas histórias. Para um artigo da prestigiadíssima "New Yorker", ele passou meses apurando a história de Lorena Bobbit, que, num surto de fúria, cortou o pênis do marido com uma faca de cozinha. Ele se esfalfou para reconstituir a noite da agressão e tentou entrevistar todos os envolvidos no episódio. 
 Por fim, enfurnou-se num quarto e escreveu uma longuíssima reportagem. Enviou o texto à revista em seguida e, já de manhã, extenuado, foi dormir. Acordou com um fax na porta: a diretora da revista recusava a reportagem e sugeria que Talese fizesse um pequeno livro sobre o crime. O escritor bem que tentou, mas tal livro não passou de um arremedo.
  "Vida de escritor" começa e termina com uma história de derrota ainda mais doída. Talese passou anos viajando ao redor do mundo atrás de Liu Ying, uma atacante da seleção chinesa de futebol. Na final da copa do mundo de 1999, disputada entre os Estados Unidos e a China, ela perdeu o pênalti decisivo, que daria a vitória a seu país. O drama da jovem espelha a frustração de Talese, que não consegue fazer nem sequer uma reportagem sobre a esportista. Septuagenário, Gay Talese poderia ter feito um livro de memórias complacente.
  É sem qualquer condescendência consigo mesmo — mas também sem se comprazer no sofrimento —, no entanto, que ele demonstra como o fracasso é inerente à profissão. Ao construir seu relato em torno de personagens anônimos ou menores, o autor na prática se solidariza com eles. E dá uma lição que só a experiência e a sabedoria propiciam: mesmo na autobiografia de um jornalista, o que importa são os outros.
 
 
Cia. das Letras
Enviado por Germino da Terra em 23/09/2011
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