retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


 Carmen, se inda dia desses você me leu, desculpe. Sempre que posto uma carta ou coisas quaisquer, tenho o hábito de depois, em casa, reler o que enviei. E naquela eu vi maltratados que não quero deixá-los como foram. A significação tá formada, é como é, mas alguns pormenorezinhos... Na sexta eu a escrevi de chofre, escrevi e nem no fim de semana nem depois não revisei. Na segunda a reescrevi e na terça postei a “II”, mas hoje nem não gostei e a reescrevo. Portanto, agora vai o definitivo, a “III”, inclusive a música, na linda voz de Doroty Marques, é conclusiva.
 
Paiol Velho, quinta-feira, 11 de agosto de 2011.

É, Carmen, realmente eu não me lembro de nada daquele dia, o do nosso último e definitivo encontro. “Encontro” não, aquilo foi uma trombada; encontro aconteceu na semana anterior, embora de sua parte tenha sido apenas uma brincadeirinha passa hora.
  Quer dizer, não me recordo dum momento em diante — entornei tanto que o efeito canhestramente se entremeou à minha ansiedade indignada d’eu querer demais que comentasse o conteúdo, não a forma, duma coisa que te escrevi — os vidros e as portas... —, e você blasé nem nada. Indignei, assim como quando você não tendo mais como escapulir, por fim você assumiu que mentiu sobre a Pigmeia, dueña de el Gringo, meus vizinhos, de ela queixume de mim ter te telefonado. E na cara dura ainda diz que foi pra me preservar... Ora, vá à...
  Bem, sobre essa recente colisão, assumo a culpa do sinistro — como disse em à Carmen, eu é que estava sem habilitação no lugar errado e na hora imprópria, como nesses últimos tempos assim venho estando, e pior, não passei no teste do bafômetro.
  Aliás, sobre este escrito, uma dona que num é do Recanto das Letras, comentou “Menino, seu texto é um construto interessantíssimo, fiquei entre o riso...”, disse qualquer coisa assim. Construto(!), a este pernóstico o Houaiss dá duas acepções: 1 construção puramente mental, criada a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria. 2 Rubrica: psicologia. objeto de percepção ou pensamento formado pela combinação de impressões passadas e presentes. A mulher se esconde numa tal de Marcia sem acento. Superlativos à parte — há quem deles goste, acham que assim com tão pouco, se diz muito... Num sei à qual a dona se refere — você, Carmen, bem deve saber —, se à construção mental... ou se a objeto de percepção... Quero que pela segunda, mas se aquela se referiu à primeira, tá bem, também tá muito enganada não.
  Quanto à agressão física, Carmen, espero que não tenha sido um tabefe daqueles (acho que nem foi não, se fosse eu a teria nocauteado e a Maria da Penha já estaria no meu encalço), mas um empurrãozinho que, impactada, fez desmilinguir-se teatralmente valorizando-o — o que não minimiza nem dá pra menosprezar tal atitude, tamanho descontrole. Me desculpo mais uma vez — o que é pouco em relação à cena. Sem querer me justificar, lá no à Carmen — se em sua Clínica, doutora, ajuntada à Marcia sem acento, careta já não o leu —, lá eu explico o meu desgoverno por mais uma vez sentir-me usado pela conveniência alheia, a sua. 
  Quanto a continuar escrevendo, continuarei sim, Carmen. Escrevendo a minha autenticidade é independente, livre de qualquer ingerência retórica de outrem. Quanto a não aguardarnenhuma resposta sua às minhas escritas, há muito q’eu daí desvigio qualquer retorno, Carmen. Naquele dia fatídico, então, de sua parte caracterizou-se a completa desatenção ao q’eu por escrito te digo. Embora insista em os vidros... e em à Carmen — nessa ordem e careta, sem “construto” nem a saltear trecho algum usando-o fora do contexto!
  Num é chegando das noitadas de terças-feiras sem lei, depois da cervejada e estumada por asseclas, tropicando ideias, sentando o rabo frente à máquina com complementares latinhas de cevada, não é assim, Carmen, catando milho com o vermelho da ponta dum único indicador, como empertigou em seu bilhete, num é assim que entenderá o que digo nem entenderá a si mesma. Ou então cata a Bravo! no entremeio onde repousa a cabeça, dela recolhe tacanhas resenhas, reuni, monta palavras alugadas bem certeiras e com carisma retórico me barradela! Nem assim, visto que daí eu boio — o q’eu te disse cai no vazio. Ficamos como dois varridos numa fala despirocada, um diz uma coisa o outro outra e, por fim, pontuamos picas, porra alguma.
  Bem, de quebra, Carmen, leia pra que o último a sair apague a luz eminente. Foi escrito diretamente aos conluiados do Rio mas diz muito a muitos de variados cantos. Até aqui em nossa região, uma jovem adulta daqui que você bem conhece como conselheira, e ora mora no Rio, especialmente enfiou a carapuça. Ao menos fora sincera em dizer que em parte ali ela se vê, as suas atitudes estão reproduzidas.
  Por força do hábito, ainda hoje eu te enviei estrutura do conto, uma brincadeira com Teoria literária. Depois, atento percebo que a ele ajuntei uma música não reservada ao texto — eu queria pôr Sociedade alternativa do Raul e pus Nóis é jéca... do Xangai. Lan-house é assim, ao menos comigo, eu fico todo atrapalhado. Se der, quando qualquer dia desses eu for comprar jornal, volto lá e corrijo.
  A esse aqui eu ajuntarei a sugestiva Trocando em miúdos do Chico e do Francis, ou, num sei, Segue o teu destino do Ricardo Reis—Pessoa, com Renato Brás, num sei qual delas é mais evocativa à situação. Tem também Preciso me encontrar do Cartola... A esse aqui eu fico na dúvida se ajuntarei a foto que fiz de você mirando uma flor com uma bela paisagem de Visconde de Mauá ao fundo, ou se a capa de Pedro Páramo & Chão em chamas, fascinantes histórias que nunca leu, dois livros em um de Juan Rulfo — a imagem P&B da silhueta dum cara só sob céu alvorecendo ou entardecendo. Qual das imagens condiz mais ao momento?
  ... (fui à latrina e qual O pensador de Rodan fiz força e meditei)
  É, como contraponto à incorpórea imagem, porei Cartola, mas ainda num sei se Preciso... ou A cor da esperança. Também penso em Changing opinion de Philip Glass e Paul Simon... O problema dessa música é a letra, não spico xongas de ingrês. Entrementes, não entendendo por não entender que tal a libertária Born to be wild do Steppenwolf, do Sem destino, hein?
  Sobre a utilização de imagens e de músicas complementando o texto — fora dele, bem entendido — desses recursos eu uso e abuso, sim. O Recanto me dá a oportunidade... Há quem goste de no próprio texto se valer das grafias “rsrsrs”, “hahaha”..., o riso por escrito; ou ainda há quem goste de emoticons, aquelas disponibilizadas carinhas bobocas que simulam expressar estados emocionais. Há quem prefira o fácil e impessoal a transmitir com criatividade, na própria escrita, o que sente e quer dizer. Mas, enfim, cada qual que se guie da maneira que achar melhor. Aliás, um paralelo: tem um filme, o Cada um vive como quer, com Jack Nicholson protagonizando um vagabundo complexo, que fala de... Ah, há, mas nem importa, já foi o tempo q’eu contigo monossilábica gastava meu tempo comentando sobre livros, sobre filmes, sobre a melancólica lembrança da época das abelhas — hoje, andando poraí, pela região, ainda me chamam de Germino do Mel, embora eu preferisse “da Geleia Real”... —, conversarmos sobre tilápias no Paiol Velho!...
  Pra lá de tardiamente, Carmen, reitero o que berrando você diz: “CHEGA!!!
  A pessoa que a mim se apresentara em agosto de 95, a que gostava de leituras, escrever, a que era afinada com conversação & tesão... aquela foi-se — há muito! “Hoje, acho que devemos continuar torcendo um pelo outro, mas, infelizmente, afastados”, você me arregala (a não ser, cara-pálida, quando te ululava o óbvio, de fazer-me conveniente em me usar quais quaisquer usuras). Se se obriga de de longe torcer por mim, bracejar-se por mim, não careço não, agradeço. Assim me dou e tô bem bom.
  Afastados já estávamos, Carmen, num é de agora. Desde quando ainda oficialmente juntos arriba montávamos e desde quando “juntos” apeamos como amantes ou caso, o que fosse, eu percebia mas teimava em insistir desperceber. Como na imagem do cabeçalho, eu vinha vendo espectral! Agora, por fim, terei oportunidades de ver meus eus por quem pouco atinei.
  Tá tá tá tá. Tá! Chega de revez, concordo. Essa troca de miúdos, isso aqui tá até parecido com o inverso de quando você e o seu segundo marido infantilmente decidiram pegar folhas de papel a escreverem sobre o desagrado de um e do outro: pros seus desconfortos ele usou uma lauda; você se gaba de ter usado apenas linha com quatro palavras: “cama, falta de sexo”. Agora, cá entre nós você elenca uma penca de coisas que em mim te desagrada; eu, a simples conjunção conversação & tesão, a falta de — por que do resto há muito q’eu sinto o engambelo.
  Tem vez nem sei como cabe tanta coisa em nossos dezesseis anos...
  Germino
  Em tempo: você, Carmen, ao ler isso aqui eu vejo você meneando a cabeça, furibunda passando dedos entre as loiras madeixas, tomando goles entremeados a baforadas de Marlboro, encucando “como é que esse cara se expõe, como nos expõem assim!!!” Eu de cá retruco: tenho acanho não, ou você acha que até bambambãs não se descobrem! Taí, sem metidar a me comparar, tem o cara de quem tanto gosta, o Ricardo Tezza (se a grafia não me engana) com O filho eterno onde desnuda seu eu mais íntimo. Não li mas você me contou, ou foram as resenhas literárias; e o Noll, o João Gilberto, que dele li quase tudo e me fodi bem fodidinho —, você, nem ligou pra Hotel Atlântico nem pro patético conto O convívio de A máquina de ser —, acha que em seus textos num tem nada de autobiográfico, ou memórias incompletas?! Ora, só por q’eu uso o gênero epístola que caracteriza mais a pessoalidade?! A impessoalidade, se esconder em si, muita vez é pra quem se borra em ser-se! A você eu sempre tencionei o conteúdo, atente; pra muitos, eles miram principalmente a forma — tem também o contado, tem, mas lixam-se pra quem sou e pra quem você é, num querem meter a colher. E outra, se de fato nós não existimos — você nunca existiu, eu nunca existi, nós nunca existimos nem jamais existiremos, se é tudo tamanha invencionice ficcional? Pode ser, num sei... Pra eles, nós dois somos um zero à esquerda. Você mesma, Carmen, muita vez quase sempre desvia-se do que te digo e se atém a ela, a configuração; a ele, o significado, mitiga-o, manda ao beleléu, que exploda — me lê como “... construto interessantíssimo...” E num sei... Hã!

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 09/08/2011
Alterado em 08/10/2011
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