retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


Paiol Velho, segunda-feira, 25 de julho de 2011.

Carmen,
ainda q’eu não entenda o que aconteceu no sábado, sei que fiz merda. Desculpa.
  Quer dizer, saber o motivo de tê-la feito, eu sei. Eu estava ansioso que lesse o que te escrevi em janeiro e na semana passada reescrevi. Por que estava inquieto? Quando na quinta-feira anterior você veio ao Paiol Velho me convidar pra passarmos o resto do dia juntos em sua casa na Estância Aleluia, e passamos a tarde e a noite, quando quis me namorar... Peraí, antes, isso é que é importante: durante aquela tarde, ouvindo músicas me falou reiteradamente q’eu tinha de cuidar mais de você, que você estava cansada de sozinha cuidar de você, e antes de dormir namoramos... Ali imaginei que queria mudar o eixo de nossa relação, desejaria voltar a me namorar além daquele instante, ao menos sondava a possibilidade — não mais como antes, jamais, mas ajuntando os erros e os acertos assimilados em treze anos, e na separação de dois e tanto, nós nos redesenharíamos.
  Encuquei: será? Na sexta-feira eu desci ao Rio com isso na cabeça. Subi na segunda e nuns escritos que reviso dou com os vidros e as portas enfim... O reescrevo e desejo que leia, visto que muito do que você falara, eu abordo — meio que historio a nossa relação e por inteiro me exponho. Na quarta te enviei.
  Como não me leu — devido aos problemas de seu irmão —, achei que me leria neste sábado e, como gosta, ao vivo me retornaria. Aí vem o Tião a falar... Insisto contigo que leia e por fim me lê. Lê e não comenta nada, apenas fala do texto como escritura em si, mas do conteúdo, nada, esgueira-se; vem o Sandro arrumar o seu computador, e ele desanda... Fui indo e aquilo me agoniou. A bebida foi subindo junto ao meu desassossego — aí deu no que deu: nem sei como capinei de sua casa e voltei a ela, de que maneira; dormi em sua cama e você na de sua filha. Quando desperto, sem entender patavina, o fantasma ainda estava lá.
  Carmen, indapouco te ligo pedindo o número do telefone do eletricista Juninho. Eu mais o Marco Baravelli, com quem reparti trabalho de apicultura, estávamos indo a Morro Azul, ao Amaral, o cara das bromélias — depois de ele insistir muito, eu fui. O Marco queria saber qualquer coisa duma fazenda naquelas quebradas, sei lá o quê. Vamos indo até que seu Fusca pifa perto de Javary. Aquilo já me intranquilizou, onde me meti! Afligi mais ainda d’eu ter de recorrer a você, nós com nó. E me vi muito intranquilo dum cara não escutar, de ele só falar.
  Quando eu ouço eu penso no que ouço, e só então é que falo, falo sobre o que ouvi do outro; mas quando o outro fala enquanto falo, isso me impacienta, e tenho de falar EI, PERAÍ, Ô, ESCUTA! Foi o que se deu com o Marco tentando lhe dizer que me inibia em te pedir auxílio, Carmen. Ainda assim, falamos de tilápia... O cara é bem engenhoso! Ele disse... deixa pra lá. Desta maneira se dá quando alguns me leem: o leitor afoito, burilando seu umbigo “lê” e, ao se livrar do texto, acaba entendendo xongas, mas se metida trelendo sobre. Aí, lhe digo: TU NÃO ENTENDEU PORRA ALGUMA, APRESSADINHO!
  Bem. Indo à frente, mais ou menos assim que aconteceu com a leitura que fez de minha carta. Embora desassossegado, de maneira serena ali eu disse coisas importantes sobre a gente, imagino, demais sobre mim, inda que parafraseando Bernardo Soares — e nem nada. Então te peço, Carmen, se te convir, que me leia novamente. Não a versão à Açucena, a do site, mas a outra, a que agora neste e-mail mais uma vez anexo. Ambas são iguais, dirigidas à mesma pessoa, mas a à Carmen talvez te chegue mais às entranhas. Pra assimilá-la, sugiro que esteja careta, ou, como é difícil, sei, no máximo levemente bebida. Aquilo não tem pretensão, é alguma coisa, é tão-só o q’eu queria demais dizer por conta do que disse naquela quinta-feira quando conversamos e explicitamente me pediu ajuda, quando então, depois de tempos, namoramos — e não foi uma simples transa, mas, acanhados pela desusança foi deliciosa apalpação libidinosa, culminando d’eu mansamente introduzir-me em você.
  Naquele dia a sua fala e nós nos enroscando entre mantas fora mais um dos seus ledos passa hora, foi tudo brincadeira de mentirinha? Se sim, nem se dê ao trabalho de me reler, tenha o meu dito por não-dito — o que escrevi é sério e guardo em meu aturdimento.

  Germino

  Em tempo: mais de vez você me disse que na terapia não está passando os seus sentimentos a ele, ao psiquiatra, num é isso, Carmen?! Eu percebo que desde quando a menopausa te ziguezagueia você esteja margeando os seus sentimentos de si mesma, eles impensados, talvez, num sei, por que não são seus, autênticos. Aí dentro há um desejo latente e manifesta apenas às quimeras, tamanho cagaço de embrenhar-se em comprometimentos quaisquer; há apenas a vontade de coisas que não produzam qualquer efeito. Mas quando se anseia uma resultância fácil tem o reverso, sem querer resulta de atentar tão-só ao indesejoso, e permeando a inocuidade lida com o indesfeito desejando a todo custo desfazê-lo.
  Camaleonicamente insinuando seduz-se gregos, troianos, escambau... Na carência coletiva do vale-tudo, do aqui e agora, mesmo com pouca lábia, só com gestos e olhares, é bem mole. Mas nem ao id nem ao ego dá de vangloriar o feito — a dubiedade caracteriza a vaselina descaracterização.
  Em cima do cavalo, é-se o desejado; contudo, no interior perambula um tremendo emaranhado! Com a interrupção dos ciclos está como está, ou é como sempre foi — nunca fora aquela incensadela anunciada.

Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 29/07/2011
Alterado em 08/10/2011
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