retalhos cerzidos

"eles passarão... eu passarinho"

Textos


a anti-babeça

Iiih... lá vem o cara com aquele papo-cabeça, seus papos esquisitos... Se ele dá, se der mole, a gente créu nele, quáaa... quaquaquaqua!, conluiados gargalham.
  Foi quando me separo da mãe de meus filhos, aí me juntei a um par — um homem manco e a mulher atraente — fui à Bahia, ao Sul daquele estado. Mais uma vez eu tentava desanuviar.
  Quem me creuzava era a asna de belo sorriso e bonitas madeixas, usava viseiras e era de boa simpatia — um híbrido de ignorante com exibicionista, se acha —, vive apenas o momento. Profissional requisitada no mercado de trabalho público de sua... nossa aldeia, existe tão-somente às suas circunstâncias, é safo nelas — quase safa! Tinha cagaço de um diálogo mais refinado e elaborado, não os chatos pernósticos, mas os apenas simples em suas complexidades. Sem entender, sem dizer que não entende, sem perguntar o que desconhece não apenas por vergonha, mas por desinteresse mesmo, faz caras e bocas de entendida, sai de fininho e me deixa a falar sozinho.
  Tem vez, de tardinha, eu meio maiêutico, me divirto: e... me diz uma coisa: eudemonismo é a sua praia, seu porto de partida... e de chegada?
   (???) É... porto... seguro?!, que bonito... essa palavra... É!, responde.
  E hedonismo, também?, eu cutuco.
  Ah, é tudo a mesma coisa... Também também! Ó!, ó só que pôr-do-sol..., e sorrio ao astro apontado mergulhando no mar dos Abrolhos.
  De ônibus nós três fomos do Rio de Janeiro a Caravelas e lá aportamos, no porto mais próximo do arquipélago. Nos hospedamos na casa simples do homem manco. Duas vezes alugamos a traineira de um italiano e fomos às ilhas. Quatro horas pra ir; quatro ao continente, à vila onde vivemos mês e meio.
  À época um ex-sociólogo inaugura o neoliberalismo no Brasil, impõe seu estilo de novo político presidencial.
  Os dois dormem, amanhece e eu vou a praia, pelas ruas de areia vou a praia, pelo chão de areia chego à praia — um cão sentado apenas me observa —, ponho meus pés na areia molhada desta praia. Caminho. Todo dia.
  Música?, eu gosto, claro, mas é da boa música, a d’agora, a Anti-Cabeça diz, ...sim, claro, também gosto da pintura de frutas... mas a óleo, mas sabe, só aquela tipo viva, ou duma marina do mar com seus caipiras.
  Morta!, natureza morta; e marina é pintura do mar, seu habitante é caiçara, cai-ça-ra!, eu tento remediar.
  ... É... também a óleo... Pastel?, de carne ou de queijo?, ... mas bem básico, entende. É só isso, e isso eu quero só pra escutar & olhar, cur-tiiir, ela emenda.
  É, nada que te dê trabalho em ter de ouvir & ver, né!?, eu partejo.
  De que te adianta isso tudo, na prática?, ela me pergunta, completando: eu, na minha simplificação sou carismática até quando solto um peido — todo mundo quer cheirar —, aí, sorrio, todo mundo gosta de mim..., cantarolando se gaba.
  De tanto contemplar-se, se converteu em peru.
  Ignora que as relações são construídas de prazer & dor — busca apenas um para gargalhar... O grande Guimarães veredava que “eu quase nada sei mas desconfio de muita coisa”; aquela não, de nada desconfia mas diz saber muito, coisa à beça — era, é, muito esperta na entabulação social, pratica o corporativismo tribal de forma tão cabal.
  A Anti-Cabeça, não diferencia o convencional do tradicional, adora o atual, o muderno e o banal. Pra ela, eu não existia, era pura fantasia, e subverter o estabelecido lhe parecia minha delirância.
  Beijamos muito maria joana — da boa, autêntica baiana —, mas cafungar um branco está incorporado ao padrão da Anti-Cabeça, que se vê, assim se acha uma transgressora, e, estando na praia goza à Beira-Mar não percebendo onde mete a sua cabeça... nem as de todos!
  Alvejada, barafunda trançando pés, mãos e mente.
  Eu durmo falando umas coisas “esquisitas”; acordo falando “esquisitices”, sendo um esquisito pra a Anti-Cabeça (Ah, logo no meu café da manhã, nessa hora, pô!). Como não viajo faz tempo, no meu sono sonho músicas que não são os zumbidos de minhas abelhinhas, saudosas — elas que são naturalmente ignorantes —, e, talvez por isso mesmo, azafamam alegres e sem nada questionarem vão zunzumbinando pelos campos à cata do doce das flores.
  Nas caminhadas, vez em quando acabrunho, fico numa melancolia danada. Retorno onde os dois já bebem cerveja, e a Anti-Cabeça quer, a mulher atraente a todo custo quer levar, me tirar desse meu estado íntimo por estarmos de férias num lugar bonito pra chuchu.
  Você é tão seco. De camisa, nem percebia: pensei você apenas magro. Tá tão queimado, moreno... Faz ginástica, exercício, sempre?
  Não. Acho isso um pé-no-saco! Foi o vôlei que pratiquei, são as abelhas que pratico... Subir e descer morro sempre com peso, fardetes. Mas o que me pesa mesmo é o que levo, um fardo na cachimônia.
  Eu não tenho mais 33 anos como ela; tenho preocupações de 39 e, onde quer que esteja, elas me acompanham: De onde eu venho?; quê que faço aqui?; pra onde eu vou...?, me pergunto alto.
  Donde tu vem? Do seu Paiol Velho, pirou!? E quê que importa!, tu tá num paraíso, cara, ‘proveita! E cê vai voltar e voltar pra produzir sua geléia real, pô, no seu sítio!, a Anti-Cabeça me exclama.
  Não, não é bem sobre esse aspecto imediato que me refiro...
  Ah, cara, é isso que importa: o agora!
  Assim eu fui sendo maquiavelicamente posto a escanteio — banido e quase execrado do meio —, embora a Anti-Cabeça nem soubesse quem originou o termo, que foi um cara cabeça no século 16 e é no 20, 21, sempre, sendo quem sacou e primeiro falou dos comportamentos psicossociais incorretos, correntes. Foi quem disse observando que Os preconceitos têm mais raízes que os princípios.
  Ei, eu já disse o nome da Anti-Cabeça? Não? Então deixa pra lá.
  Não me arvoro de intelectual nem quero ser, sei bem, conheço minhas limitações. Não tenho nada contra quem verdadeiramente o é — ou não, tanto faz —, contanto que o seja na espontaneidade de sua curiosidade em conhecer o desconhecido, e, principalmente na sincera simplicidade em perguntar: Não, não sei, me diz, quê que é?

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 01/07/2011
Alterado em 02/05/2012
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